quarta-feira, 18 de novembro de 2009

À procura da Xuxa

Entrei no carro verde e estava esperançosa. Por telefone, recebi a ordem: você não produziu nada hoje (produzia para domingo, matéria especial por seu tamanho). Respondi que iria atrás da Xuxa. Era o único nome daquele corpo brutalmente espancado no dia anterior. Mas Xuxa? Será que ela era loira, gostava de crianças ou sabia cantar? Não tive muito tempo para pensar sobre isso. Já havia conhecido muita pobreza pelos caminhos jornalísticos, crianças que não são mais crianças, que já conheceram a vida crua, que não espera por ninguém. Mães que perdem os filhos e, incrivelmente, nada sentem. Eu lembro bem dessa mãe, o seu garoto tinha caído de um penhasco ao brincar de bola com os amigos. Cheguei para ela apreensiva, queria respeitar sua dor. Mas quem ficou chocada fui eu. “Bem feito para o meu marido, o nosso filho ter morrido, quem mandou me abandonar”. Um tapa na minha cara. A partir desse dia, aprendi que amor de mãe se constrói, não é garantia nenhuma carregar o filho por nove meses. Mas a Xuxa, eu não achava. A polícia disse que ela morava em um bairro de Arapiraca, que tinha apenas uma rua. E, infelizmente, a morte é notícia que todos os vizinhos se interessam. E como a Xuxa tinha morrido a pauladas e a pedradas, não seria difícil encontrar vestígios de sua vida e morte. Mas Xuxa não morava mais ali. Ninguém a conhecia. O local que o seu corpo foi achado chamava-se “cabaré velho”. Outro tapa na cara. O bairro era uma verdadeira ruína. Como se bombas de guerras passadas tivessem deixado rastros ali. Abri o vidro e conversei com um senhor. Nunca esquecerei o seu rosto. Era tomado por verrugas assustadoras. Filmes de terror não tinham a menos chance com a aparência grotesca daquele homem. Juro que não prestei atenção em uma só palavra que ele pronunciou. Assustada, olhava fixamente para aquele rosto. Apenas na última frase: “Ela tem uma irmã, mas pai e mãe já morreram de cachaça”. Pobre Xuxa. Que vida, que obra. Estava desanimada, nada sobre a Xuxa , não tinha minha matéria. Sentei. Estava cansada. Ao lado de uma senhora toda arrumada. Oh Xuxa, suspirei. E ela olhou desconfiada. “Xuxa era minha irmã. Vida perdida daquela menina”. A moça me contou todos os problemas que Xuxa tinha passado até sua morte apavorante. “Xuxa porque era gordinha. Ela não era loira, não gostava de crianças e não sabia cantar”. Ah! Entendi.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Às vezes Deus me tira a poesia.
Olho pedra, vejo pedra mesmo
Adélia Prado

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Entorpecer

Longe em um lugar distante. Era assim que me encontrava ao penetrar nas grossas páginas. Encontrava com cada palavra e estava entusiasmada. Sentia-me viva. Podia imaginar meus pensamentos ao arrancar mais um pedaço do pão adormecido. Eles existiam. Estavam tão imóveis antes. Deprimentes. Toquei a testa por um momento. Tinha terminado o alimento, que sujou o meu colo. Ao conseguir reabrir o livro jogado na estante, me sentir maravilhada. Era um esforço tremendo que doía todo o meu corpo. Sentia o sangue circular novamente. Sensação de vida. Estranha sensação que, às vezes, me entristecia. Por que a perdia quase em todos os momentos? Refletia e me sentia cada vez mais tola. Um pouco incomodada por achar que a ausência de vida ocorria apenas comigo. Mas que maravilha, eu imaginava. Acontecia sim comigo e era fortificante ter esta certeza. Mas era bom retornar. Estava tarde. E queria descansar. Pintei as unhas de vermelho como sinal de alerta. Não estava enganada. Havia vida novamente. O entorpecer tomou a minha voz e calei durante todo o tempo que permaneci ali.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Temporalidade

A temporalidade é evidentemente uma estrutura organizada, e esses três pretensos "elementos" do tempo, passado, presente , futuro, não devem ser considerados como uma colecção de "dados" cuja soma deve ser feita - por exemplo, como uma série infinita de "agora", alguns dos quais ainda não são, outros que não são mais -, mas como momentos estruturados de uma síntese original. Senão encontraremos, em primeiro lugar, este paradoxo: o passado não é mais, o futuro ainda não é, quanto ao presente instantâneo, todos sabem que ele não é tudo, é o limite de uma divisão infinita, como o ponto sem dimensão.

Jean-Paul Sartre, in 'O Ser e o Nada'

.....

Temporalidade lição de humildade
Pois em cem anos todos estaremos mortos
E a terra será de novos
Sejamos humildes como flores insetos
Sejamos breves e voláteis como o álcool
(Wado)

domingo, 26 de julho de 2009

Fumaça

Traga o cigarro. Olhou apertado. Sugou com a boca tremida aquele fim. Sentimentos bobos são esses enfim. Do fim trago o respeito e sem palavras, ....
Fim em ti, começo, volte logo. Ouvir de você e isso importa. Clichês daquela canção de inverno. Sentir o cheiro da esquina empoeirada e espirrei. Uma pausa. Pensei a respeito. Virei à solidão, parte dois. A dor infinita, aquele abraço apertado, dos versos que são seus. Com a noite, vão as lágrimas e com o aroma da manhã vem meu sorriso. Nele escondo o que lhe mostro. Se eu me perder, você me acha? Tenho o passado como trunfo. Posso ir embora. Mas não ficarei parada. Trago em mim o mar de cada dia. E ele é tão azul, assim como não são seus olhos. Hiberna a liberdade. Solta em mim o arrepio do cabelo ao vento. Eu somente. Eu, liberdade. Eu, sem mim, sem ti. Sem o tempo ao contar dos minutos. Instantes-já. Trago você por inteiro. Fumaça suja do seu trago em mim.

(aos três anos)

terça-feira, 30 de junho de 2009

Sorte

- E então?
- Seria o fim?
- Não. É apenas o começo.
- Ok então. Mas como você está?
- O meu sentir não encontra palavras.
- Tenta.
- SORTE.
- Não acredito nela.
- Nem eu. Mas ela é o meu caminho.
- Então siga.
- Estará comigo?
- Se disser que sim...
- Diga.
- Estarei.
- Obrigada.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Sobre o diploma

Alceu Amoroso Lima escreveu em 1958, o livro O Jornalismo como Gênero Literário e o tema não poderia ser mais atual.

Se o estilo comum do jornalismo exige certas condições intrínsecas e rigorosas, já que o estilo próprio admite, como sempre, a máxima liberdade. Preenchidas as condições comuns – precisão, concisão, clareza, cultura – então a liberdade, em vez de ser condicionada pelo gênero, é uma exigência dele mesmo e da condição do próprio jornalista, que é um artista como outro qualquer.
Essa característica do estilo próprio passa então a ser a própria afirmação da personalidade, aquilo que faz com que um jornalista seja diferente do outro e constitua o seu mundo à parte, o seu estilo próprio. Goethe já dizia que a maior força da liberdade estava, não em fugir à disciplina, mas em ultrapassá-la. Assim, o estilo próprio de cada jornalista, em face das exigências comuns do estilo jornalístico. Aí não há limites nem prescrições.
Há o mistério da vocação. Pois cada artista nasce aquilo que pensa fazer nascer. Já é ou nunca será. Nasce-se jornalista, como se nasce poeta ou orador, ensaísta ou colecionador de porcelanas. Há um talento inato que nada supre. Como há, também, uma preparação que, longe de matar esse talento, pode dele tirar o que a natureza, entregue a si mesma, não tiraria. Não sou contra os cursos de jornalismo. Só temo é que se queira algum dia confundir o diploma com a vocação.
Nascitur poeta, diziam os romanos. Nasce-se jornalista, como se nasce professor ou romancista. A formação universitária é apenas um aperfeiçoamento de qualidades nativas. Mas como no campo poético, vale mais que tenha inclinação, do que quem tenha técnica, no campo do jornalismo também vale mais que tenha vocação para o gênero do que quem tenha preparação para o mesmo. Uma coisa não exclui a outra. E o ideal é sempre a preparação completando, não suprindo, a vocação. O diploma de jornalismo, portanto, é apenas um certificado de estudos, não um atentado de valor.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Poema para o Dia dos Namorados

O amor é a mula sem cabeça que ronda a tua porta e te chama pelo nome.
Bicho papão que devora, sem mastigar,o teu pequeno coração palpitante.
É o vampiro que te planta os caninos na garganta num batismo de sangue e orgasmo múltiplo
Frankenstein que te mutila e desventura, cada pedacinho uivando de dor, gemendo de gozo e pedindo mais.
Lua cheia, na garupa do lobisomem, você galopa pelas encruzilhadas do ciúme, da traição, da loucura.
Sob a máscara do fantasma da ópera te oferece um dueto lírico e uma lição grátis de tortura sadomasoquista.
O amor faz de você a maldição da múmia, cada tira de gaze arranca do teu coração gritos de êxtase e volúpia.
O amor tem boquinha pintada cornos de fogo rabo torcido.
O amor é o diabo.
(Dalton Trevisan)

sexta-feira, 5 de junho de 2009

nítida

Hoje vi a luz mais nítida. Parecia que ela flutuava e era palpável. Tão imenso era seu brilho, que ficou ali. Ontem enxerguei o ar dos poros. E eles disseram coisas poeirentas e indecisas.

Não tinha nada para contar. Parava um instante. Instante imaginativo que tirava o sono. Meia noite. Buscava pensar. Misturava a falta de descanso de hoje com a ausência de vontade de amanhã. Tomei café e adormeci.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Diachuvosopreguiçasolitáriarimapobre

Traga um bom café quente para amargar o dia chuvoso. Traga um aconchego diferente entre lençóis e preguiça embutida. Traga as letras negras espremidas no papel cor de parede mofada. Traga a companhia de outras horas, momentos que transbordavam chocolate e paixão. Traga os amigos inseparáveis que ausentes estão. Traga a beleza da rua solitária que arrepia os pelos dos braços. Traga os seus olhos brilhantes para perto da minha alma insignificante. Traga a rima pobre do poeta morto porque A solidão em que a morte deixa o morto é maior que solidão da lua. Minha solidão soma a solidão do morto e a solidão da lua. Sou mais só que um louco.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

escrever..

"Quase sempre a lápis em pedaços esparsos de papel, seguindo o curso aleatório de meus devaneios ou de minhas caminhadas"


"A palavra secreta? Não sei é porque a ouso? Não sei porque não ouso dizê-la? Sinto que existe uma palavra, talvez unicamente uma, que não pode e não deve ser pronunciada. Parece-me que todo o resto não é proibido. Mas acontece que eu quero é exactamente me unir a essa palavra proibida. Ou será? Se eu encontrar essa palavra, só a direi em boca fechada, para mim mesma, senão corro o risco de virar alma perdida por toda a eternidade"

"É"

"música"

"poesia"

"sou eu"

"é você"

domingo, 12 de abril de 2009

Carregadores de leite

Julho sempre era mais frio. Uma neblina arrastava os pensamentos para a terra dos meus ancestrais e tudo tinha um aroma de leite fresco. Lembro como hoje e lembrarei amanhã, do leite branquíssimo que eu levava com a dificuldade dos meus sete anos. Era uma grande responsabilidade, havia disputa escancarada dos mais novos, que perdiam o posto de carregadores de leite para aqueles com mãos mais fortes. Naquele dia, fui a escolhida e com muito orgulho observei a senhora gorda derramar o líquido branco na minha frente e no meu balde. Ela tinha um pesado andar e abria a porta com satisfação. Nela dizia: vende-se leite. Ainda sinto o forte cheiro em minhas mãos, aroma bom! Imagem boa, uma grande cachoeira para os olhos. Imaginava morar ali. Eram segundos de distração. No peito, o triunfo e nas mãos, o nervosismo. Os pés cambalearam nas ladeiras daquela cidade. Perto do cuscuz amarelo, o leite se fez. Missão cumprida! Fui brincar de queimada no meio das ruas de Santana...

sábado, 4 de abril de 2009

Morte

poros, pele pura passa perto próximo pela paixão particular profunda permanente possível por...

divino desejo de doses diluídas dentro da dor deveras dorme dilacerada dentro de ....

espera eterna entre eu e ....

morte minha

segunda-feira, 30 de março de 2009

À Inspiração

Ela não vem mais. Tenho que fazer mais um texto clichê, igual a todos que falam sobre ela. Porque ela não mais aparece. Ela não gosta mais de mim, e diria “que pena” como uma boa música, mas não é bem assim. Sinto sua falta, daqueles dias calorosos, que chegava a mim e tomava a minha cabeça, qualquer hora e lugar. Quero você de volta! É o meu apelo tão desesperador de quem não sabe mais o que fazer.

Obrigada e a espero com todas as minhas forças

Kassia

segunda-feira, 23 de março de 2009

Eram crianças...


Queria fazer um texto que expressasse o que os meus olhos sentiram neste dia. Mas a foto do Zé da Feira, vulgo José Feitosa já falou por mim..Foi mais um protesto com galhos e pneus queimados, se não tivesse esse garoto.

terça-feira, 10 de março de 2009

Pobre Rima


Tecia em sonhos o papel novo. O branco agora riscado significava: cheio de versos pobres terminados em dor. Porque o amor rimava com dor. E sabia disso desde já. Era desconhecido o que vinha a ser. Quando estava triste, riscava o amor que rimava com dor, para não mais utilizar as rimas inúteis. E até a dor do amor passar, sentia-se insólita e evasiva.

Ou então ficava largada sobre o travesseiro, com uma expressão no rosto que a penumbra tornava inescrutável, esvaziando sua xícara num silêncio lânguido.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Tia queima adolescente de 14 anos

(minha versão)

Os cabelos espetados provocaram medo. O olhar remelado trazia nojo. O bafo era uma mistura da cachaça de ontem com o vômito de hoje. Adentrei num lugar pequeno. Miserável. Sem cor, brilho, sabor, não havia vida ali, só pedaços de pesadelos e desilusões. Tive medo. Ela estava nua. Nua sem vontade. Fingia enferma, fingia ter lágrimas em um coração de pedra. Tive pavor. O pedaço de ferro lhe dava força e a água fervilhada mostrou sua astúcia. Ela era condenada a viver, a morrer naquele pedaço de desespero e dor. Tive pena.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Guardarei

Com o olhar miúdo e cheio de cílios, olhou para dentro e me pronunciou estas palavras...Ele tinha guardado aquele pedaço de frase, aquele minuto, aquele olhar...aquele olhar...

A saudade e a solidão vão bater a minha porta.
Ainda não consigo ouvi-las chegando, mas a certeza é plena.
Sinto-me em uma calmaria onde devo aproveitar cada segundo,
Pois sei que elas vêm para o jantar.


Guardarei, meu amor
Guardarei no peito e na saudade.