segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Máquina de escrever

Andava distraída, sem saber o que lhe esperava na segunda esquina, entrando na terceira porta. Andava apressada, parecia que os minutos evadiam-se como o suor grudado no pescoço. Movimentava a boca, numa contração involuntária - movimentos bruscos e coordenados. Pensava em nada. Um nada cheio de vazio. Tinha fome. Dobrava a primeira esquina, olhar taciturno, sem grandes expectativas. Tênis gasto apertava o calo que ardia a pele. Aquilo lhe dava prazer imenso. Prazer da carne encravada. Avistou a segunda esquina, entrou na terceira porta. Parou no cartaz que dizia: Vende-se Máquina de Escrever. Seguiu em frente. O nada dos pensamentos se ocupou com a imagem. Retrato de uma máquina – não lavaria, nem passaria. Escreveria. Desfiava palavras num espaço em branco. Riscos negros contariam pensamentos. Assustador, intrigante. Máquina – humana, perecível. De escrever – de fantasiar, de acordar para dentro. Apressou o passo. A máquina lhe proporcionaria pesadelos, infinitos sonhos sem respostas. Não estaria preparada para ela. Ela era um mistério, que não poderia desvendar. Virou a terceira esquina. Deparou-se com livros.

3 comentários:

João Paulo da Silva disse...

muito bom texto. rápido e profundo. retrato simples de instantes complexos. legal mesmo. desconhecia isso em vc.

Agora Eterno disse...

adorei esse texto em particular. bem sútil e profundo Kassinha...

Paulinha Felix disse...

Gostei desse ritmo de respiração!

Dei uma olhada em máquinas de escrever no sábado passado... Esse texto me lembrou esse momento único, meio ansioso e saudosista. De um passado inexistente.

Algo assim...