sábado, 27 de outubro de 2007

VIDA E OBRA DE ANA

(foto: Crianças na comunidade do lixão)


Ana esperava chegar à noite para poder dormir, não agüentava mais aqueles dias cansativos. Ela ia se escorar em qualquer lugar ali mesmo. Tinha um sono pesado como uma pedra, um caminhão passava por ali e ela dormia como um anjo. A noite era a hora mais calma do seu dia, podia deitar e pensar. Pensar muito não, isso a cansava mais do que qualquer trabalho.

Ao amanhecer juntava suas coisas e saia com um destino. Sabia que precisava chegar às 8 horas no serviço. 8h15! Está atrasada, não dormiu bem a noite passada, deve ter sido a chuva que caiu na noite anterior, para ela a chuva não era tão boa para dormir, como é para a maioria das pessoas. São 8h20mim e ela chegou já colocando o uniforme e iniciando a atividade. Era tudo muito mecânico: puxa daqui, dobra dali. As máquinas não paravam e ela tinha que seguir o ritmo delas. Rodava o mundo e Ana estava lá, puxando e dobrando. A hora do almoço era rápida, ela se calava com a boca de feijão e reiniciava tudo de novo até às 18 horas. A barriga chamava um pedaço de pão. Mas, já estava na hora de dormir novamente e assim terminava mais um dia.

Aos domingos, acordava mais disposta. Em um banheiro apertado se trocava e se embelezava num pedaço de espelho quebrado e enferrujado, o batom vermelho lhe dava força e alegria. Esperava o ônibus para finalmente ir à praia, pensava nela desde segunda, mas antes de chegar no ponto ia ao telefone público para ligar para Rua 13, estava na Rua 21 e tinha se encontrar com Luciana. Elas tinham marcado às 10 horas para poder aproveitar o sol até ele se pôr. Luciana era uma menina-mulher fogosa. Com cabelos amarelo ovo diretamente da farmácia onde o farmacêutico a paquerava.

Ana gostava de sair com ela porque não gostava muito de falar e Luciana falava pelas duas. A praia era uma aventura, da areia morna até o desejo pelo sorvete que passava ao lado, o gelo doado no posto substituía muito bem e matava o calor de 40 graus. Nesse dia, Luciana ia fazer companhia a Ana na Rua 21, ela estava com medo de dormir só, teve pesadelos na noite anterior.

Ao dormir, Ana se lembrava de seus pais, onde será que eles estavam, era o que ela queria saber, porém, isso não mais importava. Já tinha crescido, era independente. Naquela noite a Rua 21 estava tranqüila e Ana pode relaxar. Ela perguntou à amiga se ela estava com frio e com sinal positivo dela, Ana cobriu-a com um pedaço de papelão que estava ao seu lado. Viver e dormir nas ruas não era fácil, mas sempre tinha um pedaço de papelão a mais para os amigos.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Jornalismo X Literatura ou Jornalismo e Literatura


Por Estevão dos Anjos e Kassia Nobre

Objetivo X Evasivo. Impessoal X Metafórico. Denotativo X Conotativo. Literatura X Jornalismo. Os antagonismos marcaram presença na III Bienal do Livro, através da noite que o jornalista alagoano Luiz Gutemberg* prestigiou a festa literária. Jornalista e escritor, o conterrâneo conciliou e divergiu a frieza das páginas de jornal com a subjetividade literária. Empolgado, ele discursou para os presentes, deliciando-se ao confessar que a literatura liberta as frases frias do jornalismo. Gutemberg assegurou para todos, que um texto jornalístico carece da pulsação de uma obra literária e que fique bem claro isso, se não, o jornal de ontem, embrulhará peixe amanhã. Sejam feitas as suas palavras:

Jornalismo e Literatura são dois conceitos diferentes. Para o senhor, o que diferencia um do outro?

Um é sintético, o outro é disponível, um é analítico e o outro é objetivo, as diferenças são profundas na forma e no conteúdo. Grosseiramente, o jornalismo seria aquela informação que você passa sem filtro, já a literatura ou jornalismo literário, ou crônicas e tal, é você interpretando fenômenos com seus parâmetros e suas convicções ideológicas.

Como seria a interação entre o Jornalismo e a literatura?

Não existe, a literatura é uma coisa e o jornalismo é outra.

O Senhor fala que a literatura é um jornal que está para a eternidade e que ela preenche algumas lacunas deixadas pelos jornais. Porém, ela tem o mesmo papel de informação, clareza e comprometimento com a verdade, elementos vistos nos clássicos modelos do jornalismo?

O problema da verdade é a veracidade. Você pode dizer uma verdade absolutamente verdadeira, mas se você não torná-la verossímil, ninguém irá acreditar. Eu acho que a grande conclusão de jornalismo e literatura é que elas são expressões literárias, então você usa a gramática, a prosa, a língua e por isso as pessoas confundem as coisas, mas depois do Mcluhan, no século passado, onde ele estabeleceu nitidamente o território da mensagem e do meio e confundiu as duas por pura malandragem, nunca mais iremos discutir o problema.

No jornalismo brasileiro, há espaço para um jornalismo mais preocupado com a estética literária de um texto?

Eu acho que a tendência é essa. Os jornais estão cada vez mais bem escritos, cada vez mais sofisticados e principalmente maliciosos. Estão mais exigentes.

Qual experiência, dentro do jornalismo dito literário, que o senhor mais apreciou na sua carreira?

Eu acho que o Rubem Braga, que é o grande cronista brasileiro, o Joel Silveira, o Paulo França. Dentre os brasileiros, eu citaria esses.

*Luiz Gutemberg nasceu em Maceió, no ano de 1937, onde viveu até os 18 anos. Formado em Direito na Universidade Federal de Alagoas, é ex-professor do curso de Jornalismo da Universidade de Brasília. Publicou bibliografias de alguns senadores, como a de Pedro Simon. No teatro, Gutemberg escreveu as peças “Auto da Perseguição e Morte do Mateu”, “O homem que enganou o diabo...e ainda pediu troco”, “Auto da lapinha mágica” e o “Processo Crispim”.

sábado, 20 de outubro de 2007

Entrevista com Douglas Apratto


Diretamente da III Bienal...
Na tarde de abertura da III Bienal do Livro, os alagoanos puderam saborear as palavras de um grande ilustre conterrâneo. Douglas Apratto* acrescentou (e muito) a festa dos livros. Com um vasto conhecimento sobre a historia alagoana, ele contou um pouco, nesta entrevista, sobre o tema central do seu livro A tragédia do populismo.

Para o Sr, a figura que representou o populismo em Alagoas seria o presidente Muniz Falcão?

Sem dúvida, Muniz Falcão é a maior figura do populismo em Alagoas, diria que é o auge do populismo, embora, Silvestre Péricles também seria um governante com características muito forte do populismo e ainda no começo do século tivemos Fernandes Lima e Costa Rego com algumas execuções populistas e governos carismáticos. Porém, a figura de maior brilho e mais carisma é Sebastião Marinho Muniz Falcão.

O seu livro a Tragédia do Populismo apresenta Muniz Falcão como um político que foi mal compreendido pela elite da sociedade alagoana?

Sim, Muniz Falcão fazia parte de uma corrente que foi de encontro a todo aquele esquema que é tradicional da política, onde as forças hegemônicas eram as oligarquias ligadas à cana-de-açúcar e algumas do sertão. Ele efetivamente teve um governo muito convulsionado, que recebeu um enfrentamento constante e passou pela tragédia da assembléia em que houve um momento de violência institucional muito grande. Ele teve sua história aferroada pelos seus inimigos e teve seu governo considerado fraco e foi considerado uma figura que desmerecia a condição de governante. Contudo, esta não é a historia real, na verdade isso é o que a elite alagoana queria passar para posterioridade e que a suas idéias eram corretas e a de Muniz eram as erradas. No livro, eu procuro demonstrar que tudo isso é uma grande cortina de fumaça em torno do populismo de Alagoas e em torno da real posição de Muniz como um líder que representava a classe trabalhadora e que era contra a elite oligárquica. Ele foi estigmatizado, por isso eu diria que a historia do livro faz uma revisão do seu papel importante como um governo progressista, um governo democrático e que procurou está antenado com as transformações que o Brasil e o mundo passavam naquele momento.

O que o Sr. acha do termo populista ser usado como xingamento por alguns?

Hoje, a palavra é estigmatizada porque o populismo tem variantes efetivamente assistencialistas e nós temos, digamos assim, um neopopulismo que envereda por esse caminho. Na verdade ele tem varias matizes, tem o nacionalismo, tem o estatismo, tem um projeto mais de soberania nacional. Essa figura do populismo interpretada como um político retrógrado e que causa muitos males a população e o seu país, é bem verdade. Mas, se nós estudarmos um líder populista como Getúlio Vargas, vamos verificar um ganho da população desacistida com as conquistas que o populismo consegue implementar junto as camadas mais pobres.

O que o Sr. está achando da III Bienal do Livro?

Eu acho que é um refrigério para nós alagoanos, nesse clima de baixo astral que a gente vive de violência, de desemprego, de IDH muito negativo, eu acho que a gente tem aqui uma mostra que o alagoano e as instituições universitárias, comandadas pela Ufal, como também as outras instituições, como Cesmac, Fal, Fits, são capazes de grandes realizações. Estamos aqui todos reunidos em torno daquilo que é importante: o livro, a leitura, o saber, o humanismo, a aprendizagem . Eu vejo isso com muita alegria e é uma prova que nós, se estivermos reunidos com um projeto em comum, desenvolveremos o Estado.

* Douglas Apratto é historiador e professor da Universidade Federal de Alagoas. Já publicou as obras Capitalismo e ferrovias no Brasil, A metamorfose das Oligarquias, A tragédia do populismo, Capítulos da Historia do Brasil, entre outros.

(Matéria publicada no site alagoas agora)

III Bienal: A literatura está em festa!



A III Bienal Nacional e a I Internacional do Livro de Alagoas se apresentam no cenário alagoano e têm como desafio fazer por dez dias, 19 a 28 de outubro, os alagoanos respirarem literatura. A festa dos livros será no Centro de Convenções – Jaraguá, das 10h às 22h e terá a entrada franca. Ela contará com a presença de vários artistas da terra, como também, nomes nacionais. O chargista e cartunista Paulo Caruso é presença garantida. A Bienal é uma realização da Universidade Federal de Alagoas, através da editora da Universidade (Edufal).

Os entusiasmados organizadores estão apostando no sucesso do evento, o público previsto é de 100 mil pessoas, apesar do Estado de Alagoas apresentar o perfil de 78% de leitores que possuem no máximo, o 1º grau incompleto e o índice de analfabetismo de 36,28%. Mesmo assim, a Bienal pretende chamar a atenção de crianças em busca de livros coloridos aos estudiosos da literatura. Contará também, com a presença de 25 mil estudantes da rede de ensino pública e particular, com visitas monitoradas. Todas as tardes, quem comparecer ao Jaraguá, poderá participar de oficinas e mesas redondas e nas noites haverá palestras com personalidades literárias.

Com a programação bem abrangente, o evento garante desde oficinas de histórias em quadrinhos a discussões sobre a Educação Superior de Alagoas. Os bate-papos terão espaço reservado num café literário destinado ao público e autores. Essa é uma das apostas dos organizadores. Estudantes, professores e, principalmente, interessados na arte literária vão fazer da Bienal um evento único, e quem sabe inovador num Estado necessitado de atenção cultural. Informações adicionais podem ser encontradas no site http://www.edufal.com.br/bienal2007.

(Matéria publicada no site Alagoas Agora)